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Opinião Quarta-feira, 28 de Maio de 2025, 16:09 - A | A

Quarta-feira, 28 de Maio de 2025, 16h:09 - A | A

Gavur Kirst

Harvard na mira: como a decisão de Trump afeta o ensino superior nos EUA

Gavur Kirst
MQF

O recente conflito entre o governo do presidente Donald Trump e a Universidade de Harvard evidencia uma nova fase de tensão entre o poder executivo dos Estados Unidos e o setor educacional e que escala para uma disputa nos tribunais do país. No dia 22 de maio de 2025, o governo norte-americano revogou o direito da universidade de emitir os documentos necessários para que estudantes estrangeiros possam permanecer legalmente no país — decisão que impacta diretamente mais de 6.000 alunos da instituição, incluindo calouros com início previsto de curso já em agosto. Logo em seguida, a medida foi derrubada judicialmente, porém o embate não aparenta estar perto do fim. 

A justificativa oficial do Departamento de Segurança Interna inclui a recusa de Harvard em compartilhar dados dos últimos cinco anos sobre seus alunos internacionais. O governo busca identificar estudantes supostamente envolvidos em atos violentos ou subversivos. Além disso, acusa a universidade de negligência no combate ao antissemitismo no campus e de manter uma postura institucional hostil, segundo a atual gestão, às diretrizes nacionais de segurança e ordem. Em resposta, Harvard considera a medida uma forma de retaliação política e já moveu uma ação judicial, alegando violação da Constituição e ataque à autonomia acadêmica.

O impacto da medida extrapola os muros de Harvard. Com mais de 1,1 milhão de estudantes estrangeiros atualmente matriculados em instituições americanas, cerca de 10% do total, o país se consolidou como o maior destino de estudantes internacionais no mundo. Essas matrículas representam uma receita anual superior a 40 bilhões de dólares para os EUA. A medida, portanto, não apenas ameaça a estabilidade educacional de milhares de jovens, mas também levanta dúvidas sobre a atratividade e previsibilidade do sistema educacional americano.

A insegurança jurídica e diplomática provocada pela decisão começa a inibir o avanço dos processos de admissão. Mesmo que a suspensão da medida seja possível, e até provável segundo alguns analistas, o dano à reputação já está em curso. Universidades de outros países, como Canadá, Reino Unido, Alemanha e Austrália, comemoram discretamente o episódio, por apresentarem alternativas mais estáveis e seguras para estudantes globais que temem estar sujeitos a decisões políticas repentinas e radicais.

Harvard, a mais antiga e uma das mais prestigiadas universidades do mundo, é considerada um símbolo da excelência acadêmica e da diversidade cultural. A exclusão de estudantes estrangeiros de seu corpo discente não é apenas um revés institucional, mas também um sinal preocupante de como pautas geopolíticas e ideológicas estão interferindo diretamente na produção de conhecimento e no livre intercâmbio acadêmico internacional.

Esse episódio insere-se num contexto mais amplo de pressão sobre instituições de ensino tradicionalmente associadas a posturas progressistas. Harvard, ao lado de outras universidades como Princeton, Yale e Columbia, tem sido criticada pela administração Trump por manter políticas de inclusão e diversidade consideradas contrárias à “ordem conservadora” que o governo busca impor.

O desfecho desse impasse dependerá do andamento judicial, da mobilização diplomática de países afetados e da reação da opinião pública internacional. A curto prazo, pode haver um efeito cascata, com universidades americanas revendo seus processos de admissão e políticas de cooperação. A médio e longo prazo, é possível que os EUA percam a liderança como principal destino global de estudantes internacionais, o que pode afetar não apenas a economia educacional, mas também sua influência cultural e científica no cenário mundial.

Em suma, o conflito entre Harvard e o governo Trump vai muito além de uma disputa administrativa: ele coloca em xeque o modelo de educação aberta, global e colaborativa que os EUA sempre defenderam, e do qual sempre se beneficiaram.

Gavur Kirst é especialista em educação superior internacional e está à frente da empresa Gold Tassel Programas Universitários.

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, 30 de Maio de 2025