Completamos neste ano 9 anos da campanha Setembro Amarelo com muitos avanços e desafios na área da saúde mental no Brasil. Além das questões socioeconômicas e ambientais, que afetam diretamente como nos sentimos e comportamos, teremos que descobrir urgentemente um equilíbrio saudável entre vida real e virtual. Não só para nós, como para os nossos filhos.
O Brasil é o 2° país em que os usuários passam mais tempo on-line no mundo. Conforme o Relatório Global Digital 2024, a população brasileira passa mais de 9 horas conectada, com índices inferiores apenas a África do Sul (diferença de poucos minutos). Para os negócios, essa taxa de engajamento até pode ser positiva, afinal, mais oportunidades de vendas e de aumentar a produtividade.
No entanto, a superexposição implica em diversas consequências negativas para a saúde física, mental e emocional, sobretudo de crianças e jovens. Como estão em um processo de desenvolvimento, eles ficam muito mais vulneráveis à dependência que as telas podem provocar. Entre os sintomas estão ansiedade, depressão, irritabilidade, isolamento e distanciamento da vida real e das relações familiares.
Um estudo divulgado neste ano pela revista científica PLOS Mental Health, da University College London (UCL), apontou que adolescentes viciados em internet passam por alterações cerebrais que podem afetar para sempre seu comportamento. As análises foram feitas com base em 12 artigos envolvendo 237 jovens, de 10 a 19 anos, com diagnóstico formal de dependência de internet entre 2013 e 2023.
Aliás, o vício na internet é um problema crescente em todo o mundo, principalmente diante do maior acesso a smartphones e outros dispositivos eletrônicos. Um estudo do Programa de Pós-Graduação em Medicina Molecular da Faculdade de Medicina da UFMG, apontou que o uso excessivo das telas piora a saúde mental independente da idade. Nos idosos, foi constatada a presença da nomofobia, que é o medo de ficar longe do celular.
Nas crianças, houve aumento da depressão associado ao uso excessivo de telas. A participação nas redes sociais também foi responsável por aumentar o risco de depressão, principalmente em meninas. O mesmo aconteceu em idosos que consomem conteúdos violentos na televisão. Outra observação é a diminuição do Quociente de Inteligência (QI) no público que se expõe exageradamente.
O que fazer? Uma das medidas é justamente limitar o uso diário das telas. Paralelamente, teríamos que promover uma rotina com experiências “reais” que deem sentido às nossas vidas, como praticar esportes, brincar, ler, caminhar e fazer programações de lazer com família e amigos, ou seja, cultivar conexões reais. É fundamental que possamos nos afastar do celular, desacelerar a mente e reaprender a desfrutar o momento, ainda que isso signifique sentir uma dose extra do mais puro tédio.
Aliás, segundo os neurocientistas, o tédio, pode aumentar muito a nossa criatividade, nosso comprometimento com as tarefas diárias e a produtividade no trabalho. Como o cérebro humano trabalha 24 horas por dia, 7 dias por semana, mesmo quando estamos dormindo ele continua ativo, nunca descansa, nem tira férias, incluir esses “momentos de tédio” são importantes para promover a saúde física e mental.
Na Itália, a população valoriza tanto essas pausas que adotou a expressão “il dolce far niente” (a doçura de não fazer nada), que significa o prazer de ficar sem fazer. Não se trata de fazer uma siesta, mas sim de deixar de lado a rotina agitada do dia a dia para se dedicar à introspecção, ao relaxamento e à consciência de desfrutar o momento presente (carpe diem!) como parte essencial da vida.
Quero destacar que ao fazer uso das telas em busca de alívio do tédio, somos frequentemente expostos a conteúdos superficiais e de curta duração, que não satisfazem nossas necessidades emocionais e cognitivas de maneira significativa. Como resultado, o tédio retorna rapidamente, impulsionando um ciclo vicioso em que a pessoa busca ainda mais tempo nas telas para preencher esse vazio, sem sucesso.
Esse ciclo afeta negativamente a saúde mental, criando um terreno fértil para desenvolver ou agravar a depressão ao intensificar alguns fatores, como isolamento e desconexão social; reforço de pensamentos negativos, falta de propósito e apatia, impacto no sono e na saúde física. Para romper com tudo isso, é fundamental entender o tédio como uma oportunidade para a introspecção e o autoconhecimento.
Setembro Amarelo é um período de conscientização sobre a prevenção ao suicídio, cuja taxa entre jovens cresceu 6% ao ano no Brasil, entre 2011 e 2022, segundo estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Entre os inúmeros fatores que podem desencadear ou agravar a depressão está justamente o uso excessivo de telas. Vale a pena repensar se realmente estar “super conectado” digitalmente não tem sido apenas uma fuga do que é essencial, que é viver uma vida com propósito e conexões reais. Pense nisso!
Cristiane Amaral, psicóloga com formação em transtorno de ansiedade e depressão no Instituto Albert Einstein.