Enquanto os votos no julgamento da tentativa de golpe evidenciam divergências jurídicas sobre a culpabilidade de Jair Bolsonaro e aliados, um dado simbólico tem passado despercebido: cada ministro vocalizou, em sua argumentação, uma concepção distinta sobre o papel do Supremo Tribunal Federal em momentos de grave ameaça à democracia.
O relator Alexandre de Moraes, em tom incisivo, adotou uma postura de justiça restauradora e combativa, ancorada na ideia de que o STF deve agir como guardião ativo da Constituição diante de investidas golpistas. Moraes enfatizou que os réus "não apenas cogitaram o golpe, mas colocaram o plano em movimento", e que a punição deve ser exemplar para preservar o pacto democrático.
Na sequência, Flávio Dino, recém-chegado à Corte, alinhou-se à condenação, mas modulou sua fala em uma linha mais garantista, propondo penas mais brandas a três acusados. Seu discurso equilibrou o peso da responsabilização com um alerta sobre “respeito ao devido processo”, demonstrando apreço à contenção judicial — sem abrir mão do repúdio à tentativa de ruptura institucional.
Já o ministro Luiz Fux destoou completamente ao absolver Bolsonaro de todas as acusações, sob o argumento de que “atos preparatórios não constituem crime”. Sua fala adotou um tom técnico, enfatizando a ausência de execução objetiva de um golpe de Estado, numa postura que remete ao legalismo tradicional — ainda que esse formalismo, para muitos juristas, acabe por minimizar a gravidade dos fatos.
Esse descompasso de visões expõe uma fenda interpretativa no STF sobre até onde vai o dever da Corte de proteger a democracia: deve o Supremo apenas julgar provas frias? Ou tem ele o dever histórico de impedir que o país flerte com o autoritarismo, mesmo em estágio de planejamento?
O julgamento, além de suas repercussões penais, passa a ser um espelho institucional sobre como o Brasil lida com ameaças autoritárias: com tecnicismo, com moderação, ou com firmeza corretiva.